quinta-feira, dezembro 08, 2005

Agora... Já!

Os olhos já pesados indicam-me não a alternativa mas sim o fim. Estou agora entre os dois lados. Aquele em que via o mundo a preto e branco e aquele em que vejo o mundo apenas cinzento. A realidade alternativa é inexistente e os sentimentos são tão grandes e tão pequenos que enjoa-me pensar nisso. A fraqueza dos membros, a inocência do coração experiente incita-me à loucura. Aquela mesma loucura que me fez, anos antes, embebedar a minha alma com amor. Esse amor que hoje não existe, ou melhor, que existe sob a forma de compreensão. Quando os olhos já não nos são fiéis, se é que alguma vez o foram, é díficil precaver situações como esta.

(sinto-me tonto)

Abro os olhos mais uma vez. O mundo está diferente, quero voltar para o ventre da minha pobre mãe, mas agora é tarde.

Quero brincar com o filho do Sr. Zé do talho e beijar às escondidas a filha da Sra. Ermelinda da mercearia.
Quero poder voar e ser livre como um adolescente.
Quero poder não depender da vontade.
Também quero, se for possível, voar e ser feliz, cantar e voar.
Quero sentir, tocar, saborear e cheirar.

(sinto-me agoniado)

Lembro-me agora dos velhos tempos. A velha guarda. As noitadas e os risos.

Que saudades que eu tenho dos risos.

Agora dentro de mim, dentro desta prisão que me consome, só oiço sussuros e lágrimas que, escondidas, teimam em cair. Preciso de ar. Os meus pulmões estão fracos, em parte devido a todo o tabaco que fumei durante tantos anos, mas não só. O coração, esse, está quase imóvel e ainda entre os dois lados consigo perceber que nunca houve dois lados. Nada muda de um lado para o outro, apenas a presença.

Como esta dor é boa. Preocupa-me o facto de passar a ter mais tempo livre, porque se já era aborrecido sem ter tanto tempo, imagino como será depois.

Que saudades que eu tenho daquele banco de jardim e daquele café pingado.
Que saudades que tenho de mim e de ti.
Que saudades que tenho dos nossos exageros, dos exageros do mundo.
Que saudades que eu tenho do antes.
Que medo que eu tenho do depois.

(sinto-me extasiado)

O tempo escasseia e corre me entre os dedos e entre os lábios. Cerro-os para não o deixar passar, se pudesse pararia agora e aqui. Estagnava, absorto de tudo, mas consciente a observar o mundo. Sinto a presença dos meus filhos aqui algures. Talvez seja apenas no coração. Quando ninguém quer saber do experiente. Experiente, curiosa definição para velho. Sim, velho. Não idoso pois não existe palavra mais rídicula.

Sinto que a hora do Adeus está a chegar, logo eu que detesto despedidas. Está na altura de olhar mais uma vez ao meu redor, ver este último tom cinza. Está a chegar o último adeus e eu pergunto-me porquê. Não quero saber da resposta, não a teria de qualquer das formas.

O último Adeus está dado.
Curiosamente, agora vejo tudo colorido.
Agora estou feliz. Realizado. Agora... Só agora...



(sinto-me bem)





Já.
















( ~ Cold . Wasted Years ~ )